Numa entrevista de Sara Belo Luís esta semana na Visão António Lobo Antunes apresenta-se pela primeira vez diante de nós “nu e desfigurado”, retirando a sua capa de altivez e arrogância que eu sempre achei que utilizava para desmascarar alguma timidez e aversão social. Sem pieguices, descreve-nos o que passou desde que lhe foi diagnosticado um cancro, o seu novo livro chamado “O meu nome é legião” e a sua relação com a escrita e a sua transformação pessoal com a proximidade da morte. Com expressões que nos habituámos a ler ao longo de muitos anos deixa transparecer amor, desamparo, dignidade e honra de estar vivo.
Tambem eu passei por uma vivência semelhante. E quero deixar aqui expressa a minha admiração por este homem só, com uma incrível capacidade de nos transportar para os recônditos do nosso ser.
Este ano foi muito bom para mim – aprendi a admirar as pessoas do meu País e a respeitá-las ainda mais. E a amá-las ainda mais. E a gostar cada vez mais delas. A partir daí, tudo o resto se tornou relativo. Houve coisas que deixaram de ser importantes e normalmente é quando deixam de ser importantes que vêm ter connosco...
As noites no hospital são infinitas. Sofri muito e, ao mesmo tempo, toda esta experiência também me enriqueceu. Sai-se disto com mais amor pela vida e com a sensação de que é um honra estar-se vivo.
É claro que tomei consciência da minha finitude, porque todos vivemos em função de eternidades.
“O meu nome é legião” é um livro de amor. De amor por uma geração , por uma classe social sozinha e abandonada, por um grupo de pessoas desesperadamente à procura de uma razão de existir. (...) Não sei se os leitores entenderão que o livro está a transbordar de amor. Sempre me comoveu ver o desamparo em que as pessoas vivem. Acho que esta dimensão nunca foi notada nos meus livros. Vivemos num certo desamparo, numa certa desprotecção.
Quando a mão está feliz os livros parecem-me sempre ditados.
Já não minto. Já não componho o perfil. Porque a nudez desfigura sempre. Agora, jogo com as cartas abertas. Agora, jogo póquer com as cartas viradas para cima. Agora, já não há nada escondido, está tudo à vista. E ou a mão ganha ou perde.
Estive muito perto da morte e palavra de honra que é mais fácil do que se imagina. A idéia pode angustiar-nos e apavorar-nos, mas quando se está mesmo ao pé dela é muito mais fácil do que se pensa. (...) quando muito francamente me dizem que tenho um cancro, o que vejo à minha frente é a morte. Não é ver a morte à minha frente, é vê-la dentro de mim. Já está cá, é uma parte de nós. Não requer coragem, apenas dignidade e elegância.
Eu agora tenho a morte dentro de mim. E é horrível estar grávido da morte.
A doença no meu caso fez com que se acabassem os disfarces, as máscaras, as meias-frases e as meias-intas. Agora digo o que penso e o que sinto.
Não tenho falsa nem verdadeira modéstia. Sou orgulhoso, não sou vaidoso. Para quê estar a jogar consigo (entrevistadora)? O que é que eu ganho? Acho graça à maneira como, nas entrevistas, as pessoas se tentam compor, se penteiam para arranjar o cabelo, ajeitam a gravata, retocam a maquilhagem. Para quê? Para seduzir? Para tentar que gostem delas? Para fazer boa figura perante os leitores? Tudo isso já me é completamente indiferente. É uma conquista recente, ganha com tudo aquilo por que passei. Estar aqui à sua frente é a única maneira de estar. E é a primeira vez que o faço.
Quando estou a escrever um livro a minha vida muda por completo, encontro uma razão, um motivo e uma direcção
Sem comentários:
Enviar um comentário