"Toco a
tua boca com um dedo, toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca
como se estivesse saindo da minha mão, como se, pela primeira vez, a tua boca
entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço
nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha
no teu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade, eleita por
mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto, e que, por um acaso, que não
procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca, que sorri debaixo
daquela que minha mão desenha em ti. Olhas-me, olhas-me de perto, cada vez mais
de perto, e então brincamos aos cíclopes, olhamo-nos cada vez mais de perto e
nossos olhos tornam-se maiores, aproximam-se uns dos outros, sobrepõe-se, e os
cíclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam
debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos
dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem, com um
perfume antigo e um grande silêncio. Então as minhas mãos procuram afogar-se no
teu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo, enquanto nos
beijamos como se estivéssemos com a boca cheia de flores ou de peixes, de
movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se
nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa
instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta
madura, e eu sinto-te tremular contra mim, como uma lua na água."
Julio Cortázar
(26 de agosto de 1914 – 12 de fevereiro de 1984)
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